apatia:
a fogueira do tédio
nos consome
a energia;
ironia:
a acidez do escárnio
nos corrói
a alegria
agonia:
a espera da morte
nos subtrai
mais um dia
Andrepinheiro
me retiro
me concentro
me despeço
me desfaço
me desconstruo
me desmancho
me desmonto
me dissolvo
me diluo
me desintegro
me fragmento
me desconserto
sem desespero
me desamarro
sem desamparo
me destempero (e o desconcerto, desconsidero)
desaconteço
desacelero
desamanheço
desarrebento
desapareço.
desnudo, despido de tudo. ante a (in)finitude; rumo à liberdade.
fade out. fade white. fade light.
Andrepinheiro
entre um choro copioso
e um rasgado riso profundo
hei de levantar-me contra o mundo
bem na encruzilhada
entre a onipresença do nada
e a ausência de tudo,
hei de levantar-me contra o mundo
lá bem por trás dos olhos
e por baixo da pele,
é que jaz a essência
luminosa da utopia:
“o sangue derramado
do poeta
é o que chamamos poesia”
muito mais que respostas,
me interessam perguntas;
ante a ignorância
e a dor da injustiça
nunca ficarei mudo:
intenso e contraditório,
hei de rebelar-me contra o mundo
hei de levantar-me contra o mundo
Andrepinheiro, 2013
após a cicatrização
de um corte
e a tristeza
de um rito de morte
após a longa
estiagem
e uma tortuosa
viagem
após
o inverno rigoroso
e a superação
de um momento perigoso
recomecemos, pois,
sigamos em frente
confiança
no presente
e esperança
no que virá
depois
“we’re playing those mind games forever,
faith in the future, out of the now” *
recomecemos, pois,
neste primeiro dia
que a nós todos
desafia
a construir agora
o que será
depois
Andrepinheiro, 2013
* versos incidentais: trecho de “Mind games”, John Lennon.
e, no final das contas,
o poema é que escolhe o poeta
– ao contrário do que pensa a maioria.
ainda em estado oculto, o poema
caminha lado a lado com o poeta nas ruas;
silenciosamente, senta-se também com ele
à mesa, para o café;
acompanha, discreto, a leitura do jornal.
enquanto prepara a simbiose,
divide com o poeta
todas as horas e circunstâncias,
até que, finalmente,
afirma para si mesmo: “está pronto”.
nesse momento, agarra o poeta
pelo braço ou pelo colarinho e,
interrompendo
aquele que pode ser
o mais precioso dos afazeres,
convida seu companheiro
– na verdade, uma espécie de médium –
ao maravilhoso ato
da criação.
hoje eu acordei
ressabiado,
sentindo um gosto
de sangue
nos lábios
e a presença
da morte
ao meu lado.
hoje eu estou
tão ensimesmado;
olhei lá fora,
e vi o céu
tão carregado:
é
dia de tédio,
como se o mundo
já tivesse acabado
ou a criação
sequer tivesse começado.
hoje eu estou
muito entediado,
aborrecido e farto
de ficar calado.
pois vou à luta,
chega de ficar parado.
e o meu silêncio,
enfim,
será quebrado;
novos tempos
serão anunciados:
a transformação
e a morte
do obsoleto-ultrapassado:
que as coisas velhas
permaneçam
no passado.
sons
bem mais vibrantes
poderão
ser entoados
com o florescer
de um mundo
renovado.
no firmamento,
dias mais ensolarados.
Andrepinheiro
música para os mortos:
um réquiem;
um acalanto;
um revival.
música para os mortos:
circula e dança
por entre as árvores e as lápides
do campo santo.
música para os mortos:
é solene,
delicada
e amorosa.
revigora afetos;
traz de volta presenças;
serena saudades;
alivia, por momentos,
as cicatrizes do tempo
orienta nossos trajetos
e viveres tão tortos
esta música
que nos trazem os mortos
esta música
que evoca nossos mortos.
Andrepinheiro, 2008.